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TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO: UMA VISÃO PSICANALÍTICA

Maruilson Souza[1]

[1] Maruilson Souza é Ph.D com estágio pós-doutoral na Universidad Kennedy (Buenos Aires, Argentina) e docente-pesquisador da Academia Paulista de Psicanálise.



Resumo

Os estudiosos sempre buscaram compreender como o humano se desenvolve. Nas décadas de 1960 e 1970 Jean Piaget, Erik Erikson e Lawrence Kohlberg ― reconhecidos eruditos pesquisadores da Universidade de Harvard – empreenderam estudos com o objetivo de buscar respostas a essa questão. No entanto, 60 anos antes Sigmund Freud, o pai da psicanálise, já havia refletido e escrito sua teoria do Desenvolvimento Psicossocial, na qual apresentava reposta a esse anseio humano-intelectual. O presente artigo tem por objetivo apresentar sínteses das teorias de Piaget, Erikson, Kohlberg e Freud. Ao fazer isso, pretende contribuir tanto para a clínica como para a divulgação do saber psicanalítica.


Abstract

Scholars have always sought to understand how human develops. In the 1960s and 1970s, Jean Piaget, Erik Erikson and Lawrence Kohlberg – renowned scholars at Harvard University – undertook studies with the aim of seeking answers to this question. However, 60 years earlier Sigmund Freud, the father of psychoanalysis, had already reflected and written his theory of Psychosocial Development, in which he presented an answer to this human-intellectual yearning. This article aims to present summaries of the theories by Piaget, Erikson, Kohlberg and Freud. By doing that, it intends to contribute to both, the clinic and the dissemination of psychoanalytic knowledge.


Resumen

Los estudiosos siempre han buscado comprender cómo se desarrolla el ser humano. En las décadas de 1960 y 1970 Jean Piaget, Erik Erikson y Lawrence Kohlberg - reconocidos académicos de la Universidad de Harvard - realizaron estudios con el objetivo de buscar respuestas a esta pregunta. Sin embargo, 60 años antes Sigmund Freud, el padre del psicoanálisis, ya había reflexionado y escrito su teoría del Desarrollo Psicosocial, en la que presentaba una respuesta a este anhelo humano-intelectual. Este artículo tiene como objetivo presentar resúmenes de las teorías de Piaget, Erikson, Kohlberg y Freud. Al hacerlo, pretende contribuir tanto a la clínica como a la difusión del conocimiento psicoanalítico.


"as divisões sugeridas pelos diferentes eruditos não devem ser vistas como fixas, mas unicamente com a finalidade de facilitar o estudo do assunto".

Introdução


A existência humana é complexa. Começa com a concepção, seguida do nascimento e termina com a morte. Entre uma e outra, sucedem as fases do desenvolvimento humano. Essas constituem-se em etapas da vida, da história da pessoa e não devem ser compreendidas como períodos isolados um do outro. Na verdade, cada fase está contida na e integrada à outra. Sua divisão em ciclos é feita com o objetivo de entender o ser humano que se transforma enquanto vive e, ao mesmo tempo, transforma o caminho por onde passa. Isso significa que as divisões sugeridas pelos diferentes eruditos não devem ser vistas como fixas, mas unicamente com a finalidade de facilitar o estudo do assunto. Consequentemente, elas não representam consenso entre os especialistas, mas somente apontam para o fato de que teóricos diferentes e de variadas áreas do conhecimento utilizam critérios diversos para estabelecer tais fases. Igualmente deve-se levar em conta que ainda que o desenvolvimento seja ― normalmente ― contínuo (mas não linear), também é sinalizado por metamorfoses nas diversas dimensões da pessoa, o que abarca transformações emocionais, físicas, psíquicas e sociais. Essas alterações não ocorrem ao mesmo tempo em todas as etapas. Na verdade, em uma mesma pessoa o ritmo transformativo muda de uma para outra fase.


O presente artigo se propõe apresentar uma síntese das teorias do desenvolvimento humano de quatro autores: Jean Piaget, Erik Erikson, Lawrence Kohlberg e Sigmund Freud. Os três primeiros foram eruditos conectados com a Universidade de Harvard, nas décadas de 1960 e 1970. O último, é o criador da psicanálise que, no início do século 20, apresentou uma maneira diferente, inovadora e polêmica na busca de compreender e analisar o ser e o comportamento humano. Para fins pedagógicos, além da introdução e conclusão, o artigo será dividido em quatro tópicos, nos quais serão apresentadas uma síntese de cada uma das teorias do desenvolvimento humano. A expectativa é a de, com isso, contribuir para a divulgação do saber psicanalítico.


Desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget


O desenvolvimento cognitivo é considerado uma das teorias mais abrangentes de Jean Piaget. Cognitivo se refere a um conjunto de habilidades mentais necessárias para a construção do conhecimento sobre o mundo. Nele estão envolvidas habilidades relacionadas ao desenvolvimento do pensamento, do raciocínio, da linguagem, da memória e da abstração.

Na realidade, em sua busca por compreender o desenvolvimento humano, Piaget ((PIAGET, 2009; PIAGET, 1971) propõe quatro etapas:


1. Sensório-motora (de 0 a 24 meses). Piaget observou que durante esse período, as capacidades sensoriais e motoras dos bebês aumentam de maneira que, gradualmente, eles obtêm controle consciente e intencional sobre suas ações motoras. Assim fazem, atuando para manter ou repetir sensações que lhes são interessantes. Em seguida, além de procurar conhecer manualmente o mundo físico, os bebês buscam explorar o ambiente visual, novas experiências por meio de ações tais como agarrar, golpear, chupar e imitar. Quando começam a pensar a respeito dos objetos e das pessoas que não estão presentes naquele momento, inicia-se a transição para a próxima etapa.


2. Pré-operatória (de 2 a 7 Anos). Nesse período, ainda que sem muita coerência, começa a comunicação verbal e o desenvolvimento das representações mentais internas. Mas, a criança fala de forma espontânea do que está em sua mente sem considerar muito o que a outra pessoa diz. Nessa fase, as crianças costumam se concentrar apenas em uma única dimensão de um problema, excluindo outros aspectos às vezes relevantes. Também predomina o pensamento intuitivo, mágico, o que leva a confundir realidade e aparência. Outras características dessa época são:


a. Raciocínio transdutivo. Quer dizer, a tendência de dar a mesma explicação a situações parecidas, de ver uma causa onde ela não existe, bem como a de compreender o todo de um objeto ou assunto.


b. Raciocínio de característica animista, concedendo vida a seres inanimados. Do ponto de vista religioso, uma de suas características é a rejeição do dualismo cartesiano, por não haver distinção entre o mundo material e o espiritual. Também há quem defenda que “o animismo ainda persiste em nossa vida moderna, em nossas crenças e superstições”, por crer “imensamente no poder de seus desejos e por crer que alguém é onipotente” (MOHR, 2005, p. 67).

  1. Pensamento sincrético. Henri Wallon (1879-1962) – educador, filósofo, médico e psicólogo francês contemporâneo de Piaget -, para quem “sintetizar” significa “reunir”, afirmou que nessa fase a forma de pensar das crianças mistura realidade e imaginação, dados reais com mitos e fantasias. Pensam que conceitos diferentes são misturas de realidade com imaginação (WALON, 1989).

  2. Dificuldade em compreender processos que implicam mudanças. O normal é que o pensamento esteja sempre no presente ― estático ―, não considerando os anteriores nem antecipando o futuro.

  3. Dificuldade em compreender processo inverso ao observado. Portanto, possuem pensamento irreversível.

  4. Incapacidade de ver o global, de compreender o todo.

  5. Foco no lúdico, buscando mais a diversão que o compromisso com a verdade.

3. Operatória concreta (de 7 a 12 anos). De acordo com Piaget, nesse período as crianças são capazes de ver a perspectiva de outros, de efetuarem análises lógicas. Possuem igualmente ideias e memórias dos objetos concretos ― carros, alimentos, brinquedos ― e tangíveis.


4. Operatória formal (acima de 12 anos). Para Piaget, nessa etapa a criança é capaz de ultrapassar o conceito do concreto e chegar ao abstrato, de modo que existe raciocínio lógico e, ao mesmo tempo, sistemático.



Desenvolvimento psicossocial de Erik Erikson


Ao propor sua teoria do desenvolvimento humano em oito etapas psicossociais, Erik Erikson procurou abranger o ser humano desde o seu nascimento até a sua morte em períodos que trazem características específicas. Para ele, o desenvolvimento ocorre por meio de momentos de conflitos internos e externos, os quais designa como crises. Em sua concepção, é necessário suportar e superar cada crise, para que a pessoa possa ressurgir na etapa seguinte com uma estrutura mais fortalecida. Na opinião de Erikson, a crise de identidade, a interdependência entre a história e a história da vida de alguém, assim como o conceito de amadurecimento não constituem o final do crescimento psicológico. Ao contrário, em cada etapa ocorre que a personalidade é reformulada e reestruturada (ERIKSON, 1998).

Em Identidade: juventude e crise, Erik Erikson (1976) apresenta o esquema abaixo no qual desenvolve a concepção de cada etapa:


1. Confiança versus desconfiança (de 0 a 18 meses). Essa é considerada por Erikson como a fase mais importante da vida, visto ser esse o ciclo de dependência total. Assim, a qualidade do cuidado recebido nessa época influirá diretamente no desenvolvimento da confiança e de habilidades que serão indispensáveis nas etapas seguintes. A falta de amor, de carinho, de alimento e de segurança por parte dos responsáveis pode fazer o indivíduo sentir que não pode confiar nem tampouco depender dos adultos em sua vida. O contrário também é verdadeiro: contribui para aflorar o sentimento de segurança no mundo. Similarmente, Erikson pensa que se os responsáveis são inconsistentes ou se mostram emocionalmente distantes ou indisponíveis, colaboram para despertar o sentimento de desconfiança, de medo e a sensação de que o mundo é incerto, inconstante e incoerente.


2. Autonomia versus vergonha (de 18 meses a 3 anos). Durante esse período, se os pais e responsáveis permitem que as crianças comecem a escolher seus alimentos, seus brinquedos preferidos ou também a selecionar roupas, estão desenvolvendo nelas o sentimento de autonomia, de controle pessoal e de independência. A conclusão dessa fase com êxito as tornará mais seguras em si mesmas. Se ocorrer o contrário, o resultado será sentimento de insegurança e de inadequação.


3. Iniciativa versus culpa (de 3 a 6 anos). Erikson afirma ser durante esses anos pré-escolares que a pessoa começa a interagir com outros além do círculo familiar e a participar de jogos que estabelecem ou o sentimento de ser capaz de conduzir outros ou o de autodúvidas, de culpa e de falta de iniciativa.


4. Produtividade versus inferioridade (de 6 a 12 anos). As interações sociais fazem com que alguém desenvolva um sentimento de orgulho pelas habilidades e realizações. Se a criança receber elogio e for estimulada e encorajada pelos adultos ao seu redor, o resultado será o desenvolvimento de um sentimento de competência e de segurança nas habilidades expandidas até o momento. Onde não existe encorajamento a consequência será uma pessoa insegura.


5. Identidade versus confusão (de 12 a 18 anos). Erikson considera essa fase essencial, pois é aqui que o adolescente compreende sua singularidade, seu papel no mundo, assim como desenvolve o sentimento de identidade pessoal que influenciará seu comportamento por toda a vida. A interação com pessoas significativas nesse período contribui para a construção de uma identidade positiva, do emergir de valores como fidelidade, lealdade, entre outros. Por outro lado, a entrada excessivamente precoce na vida adulta coopera para o surgimento de adultos inseguros, imaturos e confusos com respeito a eles mesmos e ao seu futuro.


6. Intimidade versus isolamento (de 21 a 35 anos). Erikson defende que se as crises vivenciadas anteriormente não tiveram finais positivos, as consequências serão isolamento emocional, solidão, depressão ou participação em grupos fechados, compostos por pessoas com pensamentos semelhantes ainda que não iguais. Entretanto, se ocorrer o contrário, resultará na força conhecida como amor, em construção de relações duradouras e significativas ― as quais serão importantes para o convívio com outros ―, e em capacidade de comprometer-se com relações e ações que demandam sacrifício e fidelidade.


7. Generatividade versus estagnação (de 35 a 60 anos). Essa é uma fase de afirmação pessoal e familiar, mas igualmente de criatividade, de produtividade, inclusive da produção de ideais. Aqui, alguém se preocupa com o que produziu e com o êxito profissional. O indivíduo também deixa de pensar em si como o centro para pensar em outros e a respeito de como fazer do mundo um lugar melhor para se viver. Aqui começa o processo de transmissão do que aprendeu e de deixar suas pegadas registradas no mundo. Não obstante, do ponto de vista negativo, existe a possibilidade de que alguém caia ― devido a muitos fatores, entre eles, a indiferença, a falta de oportunidade e mudanças demasiadamente rápidas ― na estagnação.


8. Integridade versus desespero (a partir de 60 anos). Esse período pode ser tanto uma fase de celebração quanto de desespero. Aqui a pessoa olha para trás e reflete a respeito dos acontecimentos da vida, de maneira que determina se o que escolheu no transcurso de sua vida foi correto ou se está arrependida de suas escolhas, as quais, portanto, fizeram-no desperdiçar o que não pode recuperar ― a vida. Dependendo da resposta, os resultados podem ser sentimento de amargura e desespero ou sensação de integridade e de satisfação. Se o primeiro ocorrer ― sentimento de escolhas erradas ―, a pessoa pode ser tomada pelo desespero por crer não haver mais tempo para recomeçar e para realizar-se. Se esse último ocorrer ― sentimento de integridade ―, a pessoa alcançará sabedoria e sensação de dever cumprido.


Desenvolvimento moral de Lawrence Kohlberg


Como Piaget e Erikson, Lawrence Kohlberg também apresenta preocupação em dividir a vida em períodos de maneira que se possam observar não apenas as características da pessoa em cada um deles, mas igualmente a dinâmica da pessoa. Ele argumenta que os aspectos formais e estruturais da moral são universais ainda que seu conteúdo possa variar de cultura para cultura. Para Kohlberg, a universalidade indica que os princípios morais, assim como as mesmas categorias básicas, conceitos ou princípios “podem ser aplicados para todos os indivíduos em todas as culturas” (KOHLBERG, 1971, p. 175).


Em seus Ensaios sobre o desenvolvimento moral, Kohlberg (1981; cf. 1984) também defende que a moral não é apenas resultado de processos inconscientes ― superego ― ou de aprendizagens precoces ― condicionamento, reforço ou castigo ―, mas também de princípios morais universais cuja aprendizagem é o produto de juízo moral que demanda maturidade. Então ele apresentará três níveis distintos que se pode adotar em relação às normas da sociedade, a saber:

  1. Nível pré-convencional (até os 9 anos, porém igualmente em alguns adolescentes e adultos). Nesse nível, as pessoas fazem julgamento moral baseado em regras, rótulos culturais e autoridades externas. Como exemplo de adultos que seguem regras, vêm-se as atrocidades cometidas por soldados durante o holocausto, na Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, em suas defesas, alegaram que estavam apenas cumprindo ordens. Esse nível é subdividido em duas etapas:

a. Etapa da moral heterônoma ou do castigo. Refere-se à aceitação de normas, leis, preceitos externos, ou também a vontade de outra pessoa à qual alguém se submete e obedece. São as forças culturais dos sistemas ― escolas, família, igreja ― presentes na sociedade as quais alguém segue, às vezes de modo inconsciente. Aqui a percepção moral se fundamenta na obediência às regras. Nessa etapa, o indivíduo não questiona o que está estabelecido e a tendência é que ele seja uma pessoa rígida, orientada pela dualidade de obediência e castigo. As normas ― compreendidas sempre de forma literal, assim como as autoridades ― são obedecidas para se evitar o castigo. Toda ação que é castigada é errada.


b. Etapa individualista, propósito instrumental e mudança ou moral de interesse. Todavia, continua-se a pensar em termos de obediência e castigo. Porém, já se aceita quebrar algumas regras, mas em troca de algo que favoreça à pessoa. Dessa forma, o bem ou o mal são definidos de acordo com as necessidades particulares imediatas. Ou pela recompensa que pode ocorrer. A justiça e a moralidade são questões de mudanças pragmáticas. A pessoa é movida por seus próprios interesses.


2. Nível convencional (na maioria dos adolescentes e adultos). Nesse nível, os valores morais são vistos em termos de correspondência às expectativas da família ou também do grupo ao qual se pertence. A pessoa aceita as convenções estabelecidas e as segue, mesmo quando não há consequências por desobedecê-las. Ela julga suas ações de acordo com as expectativas do grupo ou da sociedade. Tal atitude não deve ser vista apenas como conformidade, mas igualmente como lealdade. Baseada no desempenho correto de papeis e na atenção às expectativas. A maior parte das pessoas permanece aqui e não avança para o próximo nível. Os indivíduos já interiorizam e adotam as regras como suas e se esforçam por obedecer às regras estabelecidas por outros para obterem reconhecimento por seu comportamento. Esse nível é formado por duas etapas:


a. Expectativas, relações interpessoais mútuas e conformidade interpessoal (bom rapaz, bom marido, bom cidadão). Preocupada com as normas e convenções sociais estabelecidas, a pessoa procura manter a aprovação social e a continuidade da ordem social. Comporta-se de modo que logre receber a aprovação de outros. As ações são avaliadas de acordo com as intenções de quem as pratica. O principal objetivo é ser considerada uma boa pessoa e estabelecer relações com os outros. Começa a pensar no que os outros pensam e sentem. O correto é ser simpático, ser boa pessoa, digna de confiança, viver de acordo com o que os outros pensam e esperam que ela faça. Sabe relacionar-se com diferentes pessoas, aceitar diferentes pontos de vista e é capaz de se colocar no lugar de outros.


b. Manutenção da ordem e da lei (consciência moral da lei). A pessoa segue as normas e convenções com a finalidade de evitar a culpa ou as consequências legais. Ela realiza os deveres para evitar um castigo, mas com o objetivo de manter a ordem social, considerando que as leis existem para serem cumpridas e que a sociedade espera que cada um cumpra a sua parte. Espera autossacrifício das figuras de autoridade ― as quais raramente são questionadas ― e que elas mantenham a ordem e garantam o bem estar de todos.


3. Nível pós-convencional (apenas em uma minoria de adultos). De acordo com Kohlberg, somente de 10 a 15% das pessoas alcançam esse nível. A pessoa que nele se enquadra considera sempre diversos pontos de vista e cada situação é pensada de modo a extrair princípios gerais que sirvam para todos. Os princípios gerais e universais transcendem as figuras de autoridade ou os valores particulares de um grupo ou sociedade. Os conflitos são julgados, não pelas convenções estabelecidas, mas de acordo com os contratos legais, nos valores morais e com os direitos considerados fundamentais ⸺ a vida, a liberdade individual. O correto é ter consciência de que as pessoas partilham os mesmos valores e que muitas vezes as regras e leis são injustas e, portanto, não devem ser obedecidas. Suas escolhas são feitas de maneira a trazer o maior bem para o maior número de pessoas. Pessoas nessa fase possuem valores definidos, de modo que decidem consciente e livremente o que é certo e errado e porquê é certo ou errado. As subdivisões desse nível são:


a. Direitos individuais democraticamente aceitos. Toma-se consciência da existência do outro, da maioria, do bem comum, dos direitos humanos. Começa a existir para os outros.


b. Princípios éticos universais. Aqui apenas um reduzido número de indivíduos chega. O ideal interiorizado é o que orienta o comportamento. Suas reações são independentes das reações de outros, mas respeitando sempre os princípios universais como igualdade de direitos, dignidade e justiça, igualdade de oportunidades. Essas pessoas veem a si mesmas como um meio. Buscam o cumprimento do dever e seguem suas consciências e seus princípios éticos. Conhecem as regras, suas contradições e, em consequência, reagem a elas. Valorizam mais seus princípios que a própria vida. Obedecem a princípios éticos universais e as normas são consideradas válidas apenas se respeitam esses princípios. Envolvem-se no desenvolvimento de um código moral que pode ou não aderir-se à lei.

Cada nível é qualitativamente diferente de outro. E cada um está relacionado com a idade cognitiva. Porém, o que se percebe é que a moralidade humana e seu desenvolvimento são essencialmente dialéticos e que os outros modelos apresentados por Piaget, Erikson e Kohlberg mostram que as etapas dependem de fatores diversos ― biológicos, psicológicos, sociais, assim como de elementos culturais.


Teoria do desenvolvimento humano de Sigmund Freud


Décadas antes de Piaget, Erikson e Kohlberg, o pai da psicanálise propôs uma teoria do desenvolvimento humano, mais conhecida como teoria do desenvolvimento psicossocial, dividida em cinco fases a serem levadas em consideração no estudo da compreensão da evolução normal do humano. Isso indica tanto a genialidade de Sigmund Freud como sua percepção antecipada da importância de dividir em etapas o desenvolvimento da existência humana para melhor compreendê-la. Tal entendimento faz Richard Wollheim afirmar que o pai da psicanálise

Pela audácia de seus escritos e pela amplitude e audácia de suas especulações revolucionou o pensamento, as vidas e a imaginação de uma era. (...) seria difícil encontrar na história das ideias, até mesmo na história da religião, alguém cuja influencia tenha sido tão imediata, tão ampla ou tão profunda. (WOLLHEIM, 1971, p. ix).


Seja como for, de acordo com Freud (1984), a infância é vital para o desenvolvimento da personalidade humana. Suas pesquisas teóricas unidas à observação cuidadosa e à experiência clinica o levou a fragmentar a infância em fases, nas quais o principio do prazer (ID) fixava-se em determinadas zonas erógenas. Consequentemente, para Freud, há uma energia psicossocial (libido) que funciona como uma espécie de força que produz movimento (força motriz) e que está na base de certos comportamentos. Para ele, “(...) desde o início a psicanálise considerou tal destino como sendo em grande parte preparado pela própria pessoa e determinado por influências da primeira infância” (FREUD, 2016, p. 44).

A intuição de Freud acima mencionada assinala que na medida em que a pessoa se desenvolve física e psiquicamente essa energia motriz - quando fixada como fonte de frustração/prazer em uma ou outra das etapas propostas (cf. abaixo), dificulta a transição de um estágio para outro. Ou seja, como as experiências vividas na infância são formativas e modeladoras elas exercerão, na fase adulta, forte influência sobre a personalidade da pessoa, guiando-a na busca inconsciente de satisfação usando o modelo da etapa na qual está “presa”.

Em 1905, no texto “as fases de desenvolvimento da organização sexual”, Freud, ao pensar as diferentes fases do desenvolvimento como categorias universais, afirma que os estudos psicanalíticos reconhecem a existência, antes do adulto alcançar a maturidade sexual reprodutiva, de “esboços e estágios preliminares de uma tal organização dos instintos parciais, estágios que constituem ao mesmo tempo uma espécie de regime sexual. Essas fases da organização sexual são normalmente percorridas sem tropeços, revelando-se apenas por alguns indícios” (FREUD, 2016, p. 107). Diante disso, ele propõe sua teoria composta por cinco etapas através das quais os seres humanos - normalmente – se desenvolvem (cf. FREUD, 2016, p. 108-111):


1. Fase oral ou canibal (zero a um ano de vida). A boca e a língua são fontes de erotização e, portanto, de prazer. “No estágio oral da organização da libido, o apoderamento ainda coincide com a aniquilação do objeto” (FREUD, 2016, p. 82). Nessa fase a energia sexual (libido) está conectada à mordida, à amamentação, à ingestão de alimentos e na incorporação destes ao corpo. A criança sente prazer ao sugar o peito da mãe. Mas, igualmente na sua troca por um objeto externo – o dedo. Se for constante e continuamente amamentada, poderá se tornar um adulto otimística, confiantemente, ingênuo e passivo – espera que alguém sempre faça algo por ele(a) para satisfazer suas necessidades. Por outro lado, no caso de haver uma interrupção abrupta da amamentação poderá contribuir para a formação de um adulto desconfiado, sarcástico, que suspeita de tudo. Quem, pois, desenvolve uma personalidade oral pode vir a ter – entre outras - a tendencia de beber, fumar, roer unhas e chupar o dedo. Conflito: quando desmamar o bebê, forçando-a a tornar-se menos dependente dos cuidados maternos?


2. Fase anal ou sádico-anal (de um ao terceiro ano). Ao aprender a controlar as fezes (reter ou defecar) a criança desloca o prazer da boca para o ânus, passa a se orgulhar da sua obra (o cocô). No entanto, também poderá, como forma de confrontar seus progenitores, segurar as fezes em seu sistema digestivo e, com isso, desenvolver uma personalidade anal retentiva, tornando-se alguém obsessiva que não suporta bagunça, desorganização, impontualidade, desrespeito à ordem/autoridade estabelecida e quem não cumpre com os seus deveres. Tende também a ser uma pessoa controladora, econômica, rígida e teimosa, pois tudo tem de ser do jeito dela. Ou pode também desenvolver uma personalidade anal-expulsiva - que é o oposto anal retentiva: compartilhadora, doadora, generosa, confusa, desorganizada e rebelde. Por outro lado, se a experiência dessa fase for positiva ela poderá tornar-se um adulto competente, criativo, organizado e produtivo.


3. Fase fálica (do terceiro ao quinto ano). Aqui a criança descobre seu órgão sexual ou a falta dele. O menino volta-se para a mãe e a menina para o pai. Mas, também há identificações: o menino e a menina – por causa dos órgãos sexuais – identificam-se, respectivamente, com o pai (complexo de Édipo) e com a mãe (complexo de Electra), adotando as características do mesmo sexo. Nesta fase, igualmente, o menino desenvolverá – por causa do seu desejo pela mãe – ansiedade e medo de castração pelo pai, pois o que ele mais ama em si é o pênis. Essa questão é resolvida pelo menino quando ele se identifica com o pai e assume o seu comportamento e atitudes. A menina, de forma análoga, deseja o pai e, por medo da mãe, com ela se identifica. Por outro lado, ao perceber que ela não tem o pênis, inconscientemente culpa a mãe e desenvolve o desejo de ser menino ou reprime esse desejo e o substitui pelo desejo de ter um bebê. Por outro lado, a psicanalista Karen Horney considera essa parte da teoria freudiana como impressiva e degradante para as mulheres e propôs que também os homens, ao descobrirem que não podem gerar filhos, desenvolvem a inveja do útero (HORNEY, 1991). Experiências vividas nesta etapa do desenvolvimento poderão gerar adultos que apresentam dificuldades na sua sexualidade, seja tornando-se uma pessoa inibida sexualmente ou promiscua. Aqui termina o desenvolvimento psicossocial humano. As próximas fases são etapas de consolidação.


4. Fase da latência (do sexto ano aos onze anos - puberdade). Essa é a fase em que a criança vai à escola e na qual os desejos insolúveis da fase anterior (fálica) foram e/ou são inconscientes recalcados, reprimidos e sublimados (FADIMAN e FRAGER, 1986). Com isso, há um deslocamento – inconsciente – da energia sexual do corpo próprio para o brincar com outras crianças e no desenvolvimento de interesses diversos – manuais, sociais, intelectuais e de novas habilidades. A passagem saudável por esse ciclo, leva a pessoa a tornar-se um adulto autoconfiante, comunicativo e sociável.


5. Fase genital (dos onze aos dezoito anos). Do ponto de vista biológico, o desenvolvimento da pessoa finaliza nessa etapa. Aqui os hormônios predominam, ativando no corpo o instinto de procriação e o despertamento sexual pela outra pessoa, assim como um retorno da energia libidinal para os órgãos sexuais, para as relações amorosas e para o trabalho. Se as diversas fases foram vivenciadas de maneira saudável, a pessoa está madura o suficiente para enfrentar os desafios da vida adulta, para continuar o seu desenvolver equilibrado como indivíduo, para buscar de atividades produtivas que satisfazem a si mesmo e a outros. No entanto, poderá igualmente gerar indivíduos pervertidos, egoístas, narcisistas e insensíveis às necessidades alheios.


Conclusão

A busca por compreender como o humano se desenvolve é hercúlea. Consequentemente, somente uma visão interdisciplinar é capaz de abarcar a sua complexidade e profundidade. Conforme apresentado, nas décadas de 1960 e 1970 Piaget, Erikson, Kohlberg expuseram teorias que mostravam aspectos diferentes na maneira de entender o desenvolvimento humano. Antes deles, Freud já havia percorrido caminho semelhante e, em 1905, divulgado sua audaciosa, controversa e polêmica teoria do desenvolvimento psicossocial. Mais de um século depois, a busca por compreender como o humano se desenvolve, prossegue. Continua também os estudos de como a fase formativa e modeladora da infância fixa e, inconscientemente, guia a pessoa na sua vida adulta. Nesse sentido, o conhecimento do conjunto das teorias aqui compartidas, auxilia o(a) psicanalista na escuta clínica e o(a) pesquisador na construção de teorias que expliquem o desenvolvimento humano no contexto hodierno.


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